O valor da ousadia

abril 04, 2017

O valor da ousadia

Uma das mais difíceis - e importantes - lições que aprendi nestes dois anos à frente da Acierno no Brasil é que um trabalho de curadoria fica bem feito se for feito ouvindo muito mais do que se fala.

Como assim? Ué, o curador não é aquele cara que diz "isso daí sim, aquilo não" o dia todo? Sim, mais ou menos. No final das contas, tem que tomar (e defender!) decisões. Escolher que esta mesa de jantar vai para o catálogo, essa cadeira não. Que este tom de laca fica ótimo numa estante ambientada na sala de estar, e aquela madeira natural fica melhor numa prateleira de cozinha. Que este artista pode fazer uma intervenção e pintar num aparador, e aquele seria melhor simplesmente pendurado na parede do quarto de dormir.

Mas para chegar nisso, o mais importante é ouvir. Ouvir e aceitar, principalmente em assuntos o que o próprio curador não conhece ou dos quais pouco entende.

Benjamin Zander, diretor de orquestra, ama repetir em suas palestras que o diretor é o único músico que não emite nenhum som. Faz poses, se mexe muito, mas não emite nem sequer um som só. Por outro lado, ouve. O tempo todo. Ouve, e assim faz cada músico expressar o melhor de si.

Muito bem, este ano resolvi ouvir. Quem me conhece pessoalmente há mais tempo certamente está sorrindo, lendo este texto - essa de ficar ouvindo nunca foi minha característica mais inata e marcante.

Mas é ouvindo que se aprende. Aprendi muito na organização da mostra Tropicalissimo: até sobre minhas próprias escolhas de catálogo de design, e sobre como podem se inserir em ambientes decorados diversos e variados. Sobre o fato que móveis de design assinado e pinturas tropicais podem conviver em um ambiente cheio de personalidade e alma, que design contemporâneo e aconchego clássico na verdade não conflitam, que certas cores transformam e renovam radicalmente um móvel, por conhecido e familiar que seja o design dele.

Assim, uma vez encerrada esta experiência tão colorida, aceitei uma sugestão vinda da equipe e como segunda exposição de arte de 2017 convidei cinco street artists para fazer graffiti na Acierno. Na fachada, no corredor e na interação com as peças, um pouco como já fizeram Reginaldo Pereira na Tropicalíssimo e Paulo Sayeg na Cavalocidademigrações. Cores novamente (e como!), mas em um estilo completamente diferente.

Combinam, graffiti e design? Boa pergunta. Em princípio, móveis de design, por definição, são algo que fica dentro de casa. Arte de rua, como diz o nome, fica... na rua, fora de casa.

Mas, justamente, no diálogo entre "dentro" e "fora" pode ter uma chave de leitura interessante. A cidade é um espaço complexo e articulado, mas que precisa ser cuidado e amado como se fosse uma casa. E as casas contemporâneas incorporam cada vez mais algo da diversidade e da abertura de uma cidade: basta pensar ao impacto que o steampunk e o estilo industrial têm no design contemporâneo.

Já em agosto do ano passado, na mostra Novas Geometrias Urbanas do Design Weekend 2016 aqui na Acierno, o Allex Colontonio tinha se divertido em quebrar a barreira do dentro e fora com uma longa passarela que levava da rua até o jardim da galeria - e muitos dos ambientes decorados da mostra tinham justamente esta pegada contemporânea, urbana e inovadora.

Assim, estou muito curioso, agora, de ver como cinco artistas de gostos e sensibilidades tão diferentes dos meus interpretarão esse diálogo no nosso espaço, a partir da próxima semana. E quero ouvir mais sobre estilos, artes e gostos diferentes - afinal, o conceito mesmo de móveis de design nasceu para conciliar lares, estilos e culturas diferentes ao redor de produtos pensados para serem mais flexíveis, funcionais e adaptáveis. E eu não seria um bom curador se não exigisse flexibilidade e adaptabilidade de mim mesmo.

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Carlo

 





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